domingo, 8 de maio de 2011

O romano


Sempre ouvi falar na história do general romano que, tendo sido colocado na Lusitânia ao fim de um tempo enviou para Roma um relatório sobre a forma como decorria a campanha que terminava com a mensagem: “- Para além dos Montes Hermínios encontrei um povo que não se governa nem se deixa governar.” Não sei se é verdade ou não ter existido a dita mensagem mas hoje enquanto ouvia mais um comentador de economia que novamente insistia no desgoverno do nosso pequeno canto, da oportunidade única de poder por as famosas contas em dia, do perigo real do não cumprimento do acordo com os nossos recentes visitantes que, em quinze dias fizeram um programa de governo que ao que parece se limitou a conter aquilo que o bom senso aconselhava e que nós próprios em trinta e tal anos não fomos capazes de fazer, ao ponto de durante esse espaço de tempo termos sido obrigados a chamar cá os mesmos senhores três vezes – é obra, sem dúvida! Claro que estes comentários vão tomando a tonalidade do senhor que comenta, carrega nas tintas, esborrata-as um pouco mais, dá-lhes uma tonalidade diáfana enfim aquilo a que a gente já se foi habituando vai-se vendendo o peixe pelo preço mais adequado no momento independentemente de o peixe ter vindo num carro de bois de Lutécia ou num barco frigorífico japonês, o que importa é vendê-lo. Seja como for alguma coisa deve haver, todos acabam por dizer que a coisa é difícil e que as nossas vidas vão levar um trambolhão daqueles a sério, depois a conversa varia de acordo com as tintas e uns cortam aqui, outros ali, uns aumentam além outros diminuem acolá, até parece que o importante é que fiquemos com a cabeça cheia de confusões. Mas à parte esta salada o que me parece é que realmente alguma coisa correu muito mal e alguém tratou de se por a gastar o meu rico dinheirinho à tripa forra e depois ainda me vem obrigar a pagar por isso – mais uma vez é obra! Não me apetece desfiar aqui um rosário de lamentações e especulações sobre o destino do dinheiro dos nossos impostos, acho que só um distraído (mas muito distraído mesmo) não se foi dando conta dos boys das mais diversas cores sentados à manjedoura do poder, das cedências inqualificáveis às corporações, do político profissional sem emprego definido, do desbaratar dos dinheiros de todos nós na caça ao voto com uma lógica única – a tomada do poder, já todos vimos este filme e, ou o clubismo tolda a vista ou já dificilmente nos conseguem surpreender.

Mas voltando ao assunto estava a ouvir o senhor economista e dei comigo a pensar na mensagem do romano que se embaralhou com os nossos antepassados. Realmente, quando naquelas conversas com os amigos se resolvem os problemas do país e do mundo à luz de uma bica fumegante alguém acaba por dizer que não, que isso não foi coisa de portugueses, os portugueses são uns pequenos vigaristas e carteiristas mas não se metem a grandes e perigosas “cavalarias”, como se fossemos lituanos a falar de Portugal ou seja falamos dos outros, dos nossos compatriotas sim mas não de nós próprios muito sérios ali à roda da mesa do café. Depois regressamos às nossas vidinhas e cada um à sua maneira faz o possível por se ir safando neste vale de lágrimas. Fugimos aos impostos, evitamos passar recibos, fanamos os lápis e as esferográficas nos empregos, tiramos fotocópias para os livros dos filhos no escritório, metemos baixa para ir fazer uma perninha no outro emprego, chegamos tarde ao trabalho – “lá dei a volta ao chefe” - e temos orgulho nisso, etc., etc., etc. Então porque é que toda a gente ficou tão escandalizada quando os senhores deputados faltaram à Assembleia da República para ir ver a bola ?  São tão lituanos como nós, são portugueses tal e qual, descendendentes do Viriato que punha a cabeça à roda ao romano. E foi assim que todos juntos tivemos de chamar os senhores do FMI cá nessas três vezes, em média de dez em dez anos temos de cravar alguém para continuarmos a poder viver como país – é obra! Mas reclamamos dos políticos que temos, indignados com a forma como vão gerindo a coisa pública, pois…… mas também eles descendem dos lusitanos e nada mais fazem do que se irem safando, porque raio é que a gente leva na pasta os clipes e uma resma de papel que arrecadou no escritório, pousa a dita na cadeira ao lado e desata a comentar sobre aquele tipo que esteve tão bem sentado lá no governo e agora anda às voltas com a justiça com um desviozinho de dinheiros e umas luvas que recebeu para facilitar a vida à empresa de um conhecido? Reclamamos porquê? Afinal para lá dos Montes Hermínios sempre há um povo que não se governa nem deixa governar, vai havendo quem se governe mas não o povo. Tiveram de vir uns senhores muito simpáticos que até comem sandes de fiambre no café logo ali ao pé do Ritz para nos dizer como é que esta coisa se faz, não sei se também mandaram alguma mensagem para Nova Iorque ou para Bruxelas mas para nós mandaram - ou temos vergonha na cara ou a coisa vai fiar fino, ou melhor fiar parece que vai mesmo, a questão é saber concretamente a espessura da agulha.

Sem comentários:

Enviar um comentário