quinta-feira, 16 de junho de 2011

O mágico


Há dias assim, a gente levanta-se e parece que nesse dia o mundo se virou contra nós, aparecem contas inesperadas na caixa do correio, telefona aquele sujeito com quem não nos apetecia falar, o cão adoece, a empregada falta, a internet deixa de funcionar e por aí fora numa sucessão de acontecimentos nefastos e desanimadores, já não tenho borbulhas no rosto mas nesses dias parece mesmo que o mundo inteiro “se uniu para me tramar”. De vez em quando nenhum de nós escapa a estas partidas do destino (ou da nossa cabeça…) e fica completa a sopa de lamentações e auto comiseração que nos acompanha durante o dia.

Como todos nós ando preocupado com esta coisa das sandes de fiambre e o preço que vamos ter de pagar para lhes besuntar a manteiga e remeter para Bruxelas e Washington bem embrulhadinhas em papel de seda, as notícias que nos vão chegando não são propriamente fantásticas e só mesmo sendo cego, surdo e completamente obtuso não nos damos conta que daqui a uns meses a coisa vai ser um verdadeiro filme de terror cujo the end ninguém ou quase ninguém sabe quando vai aparecer no ecrã. A tradição fadista portuguesa habituada ao fado da desgraçadinha que andava no gamanço vai estar, ao que parece, confrontada com a mudança da letra da música e a desgraçadinha vai ter de passar a gamar menos, a viver com menos e a trabalhar mais por menos.

Neste início de tarde ouvimos e vimos os novos administradores da empresa Portugal a abraçarem-se e a dizer-nos que depois de tempos de “arrogância e crispação” é necessário que venham aí tempos de “moderação e acordo”. O que realmente era muitíssimo interessante era que tivessem definitivamente acabado os tempos da virtualidade, da inverdade, dos bem-falantes, dos oportunistas, dos corporativos, dos incompetentes e da propaganda e viessem aí tempos de transparência e verdade. A esta hora os boys roem as unhas à espera de um telefonemazinho reconfortante na ânsia de que tudo mude para ficar na mesma, se pelo menos estes novos administradores conseguirem cortar-lhes as unhas já não era nada mau. Ao que ouvimos nos discursos da praxe o que vem aí com esta nova administração são três palavras: coragem, moderação e mudança mas disse-se mais "Se fizermos tudo o que devemos, se governarmos para as próximas gerações e não para as próximas eleições e se conseguirmos que esta tenha sido a última vez que uma nação tão antiga e com uma história tão grande tenha sido sujeita a este pedido de ajuda externa, eu acho que cumprimos o nosso dever". Claro que quando uma administração começa a trabalhar há que dizer umas palavrinhas doces e adoçar a boca aos eleitores, basta recordarmo-nos dos discursos do anterior administrador em 2005 e 2009, para ir ao que é mais recente mas a diferença não é muita dos mais antigos, e logo se percebe que uma coisa são os discursos de protocolo nas posses e assinaturas de acordos e outra bem diferente são os actos que se vão praticando, se depois dos 100 dias de glória a que todos os governos têm direito, se vislumbrar que realmente tudo começa a mudar, e para melhor então teremos gente. Até lá vou esperar para ver, embora pouco ganhe com isso, seja com estes ou com outros o raio das sandes de fiambre e o quarto do senhor Strauss-Kahn no Sofitel vão ter de ser pagos quer a gente goste quer não, a minha esperança é que o cheque que assinamos no dia 5 de Junho seja usado melhor que os vales que passamos à anterior administração.


segunda-feira, 30 de maio de 2011

O europeu




Em 12 de Junho de 1985 Portugal foi oficialmente admitido na Comunidade Económica Europeia (CEE), posteriormente Comunidade Europeia (CE) e finalmente União Europeia, com a assinatura da adesão a decorrer com pompa e circunstância no mosteiro do Jerónimos assim sendo comemoraram-se, em 2010, 25 anos da entrada de Portugal na associação de países que hoje formam a Europa Unida sonhada (enfim…) por Robert Schuman e Jean Monet quando propuseram a assinatura do tratado que originou, em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) a que aderiram seis países (França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo) dando origem a uma original comunidade de países numa Europa ainda dilacerada pela II Grande Guerra 1939/45. Na origem da CECA está a Autoridade Internacional para o Ruhr (AIR), uma entidade criada em 1949 pelos países acima referidos (menos a Itália e a Alemanha e com o Estados Unidos) visando esta entidade o controle da indústria do carvão e do aço no vale do Ruhr do pós-guerra, tendo a AIR sido integrada na CECA em 1951 pelo Tratado de Paris. Posteriormente, em 1957 os países da CECA e a Itália assinam o Tratado de Roma que institui a CEE, origem da actual União Europeia.

Naquele dia 12 de Junho assisti pela televisão à assinatura da formalização pelo Dr. Mário Soares e senti-me vaidoso, afinal tínhamos conseguido ser europeus à séria e tudo ia melhorar por cá íamos ser iguais aos franceses ou aos alemães, ganhar o mesmo que eles, comprar carros fantásticos ao preço da chuva, extraordinário, tudo ia mudar !!! Mesmo aquela coisa da senhora Teresa Ter-Minassien ter cá vindo, uns anitos antes, em nome do FMI negociar um empréstimo de 750 milhões de dólares já era, agora na CEE é que ia ser, é verdade a senhora Minassien fez para lá umas coisas e tiraram-nos o subsídio de férias (naquele ano…), tudo ficou mais caro a vida ficou mais difícil durante um tempo mas quem é que se importava com isso se já éramos europeus ? Fomos andando cantando e rindo (onde é que já ouvi isto…?) até que num Maio solarengo a convidar à modorra zás !!!! Aí estão eles outra vez desta vez em trio, a senhora Minassien deve estar já com uma pequenina reforma numa casinha de três assoalhadas ali para os lados da Brandoa e não pôde vir, mas vieram cá aqueles tipos que adoram sandes de fiambre e que afinal não são três mas sim quatro (Jürgen Kröger, Rasmus Rüffer, Poul Thomsen e Massimo Suardi), esta amável visita levou, pelo que sabemos, ao empréstimo de 78 mil milhões de euros e quem empresta uma quantiazinha destas quer garantias - os homens trataram de fazer um programa de governo e disseram que ou a gente se porta bem ou na próxima visita vão explicar que as massas não são para nomear boys ou criar institutos e fundações ou ainda fazer um favorzinho a uma qualquer corporação pressionante – puseram ao documento de dívida (lembram-se daquelas letras que a gente assinava para comprar um carrito?) o delicado nome de memorando de entendimento e agora além de todos termos de pagar o dinheirito alguém terá de gerir o tal memorando de entendimento caso contrário vêm cá buscar-nos os carros, os plasmas, os psichés, os cromo níqueis, etc., etc., eu cá por mim já pus tudo em nome de um primo meu que é taxista no Burkina Faso, pelo menos quando me aparecerem cá em casa os tipos das cobranças nada daquilo é meu, só uso enquanto o meu primo andar lá fora a fazer pela vida. Ora esse alguém anda por aí nas ruas segundo parece a esclarecer o povo das suas propostas para governar Portugal nos próximos tempos, ou devia andar a fazer isso… O que temos visto é uns senhores roucos que se vão entretendo a dizer mal uns dos outros, jogando um jogo de estratégias e de enganos e a fazer apelos aos votos aqui ou ali, falar do que aí vem é que nem pensar que a coisa é incómoda e lá se vão os papelinhos que querem que as pessoas metam nas urnas (um nome a condizer com os tempos que atravessamos) todos querem o bem dos portugueses, todos defendem o Estado social, todos são paladinos da verdade, mas nenhum falou das exigências a que o documento obriga nem dos timings em que essas exigências têm de ser cumpridas, nem do que vai acontecer ao comum dos mortais nem de nada, sobre Portugal disseram nada. Parece que nos enganamos todos de país e afinal Portugal é um pingo minúsculo no mapa da Europa bem longe de nós, daqueles que a gente ouve falar nos telejornais e até nem sabe muito bem onde são. Também afinal não tenho de me admirar, a coisa está feita, pouparam um trabalhão aos políticos que de outra maneira iam ter de inventar um programa que ninguém lê e assim é aquilo e ponto final, a dúvida é como é que vai ser feito, a gente já sabe que vamos ficar mais leves da carteira e que a vida vai ser infernal para muitos mas como é que isso se vai fazer é que não fazemos ideia e, pelos visto só vamos ficar a saber à medida que os bolsos forem ficando mais arejados.

Na próxima semana o meu primo vem cá de férias, se alguém precisar de uma mãozinha a mudar o nome das suas coisitas é só dizerem, afinal temos de ser uns para os outros e irmo-nos safando não é?

domingo, 22 de maio de 2011

O turco


Os cipriotas gregos elegem este domingo 22 de Maio a composição do Parlamento de Chipre, uma ilha que desde 1974 está dividida em duas partes, a República de Chipre e a República Turca de Chipre do Norte após a invasão da Turquia daquela área culminando 11 anos de violência entre os cipriotas gregos e turcos desde a independência em 1960, da potência colonial o Reino Unido. Entre 1878 e 1960 Sua Majestade britânica exerceu sobre esta ilha do Mediterrâneo o poder colonial que lhe foi entregue no Congresso de Berlim organizado por um senhor de nome Otto Von Bismarck. Este Congresso de Berlim deu origem ao Tratado de Berlim que designou o Reino Unido como potência administrante da ilha de Chipre até 1960, como vimos, data em que Chipre, Grécia e Reino Unido assinam um tratado declarando a independência de Chipre, ficando os britânicos com a soberania das bases de Akrotiri e Dehkelia que já detinham há vários anos e continuam a deter até hoje, ao que parece ninguém se lembrou que na ilha também havia, além de cipriotas gregos, cipriotas turcos que ascendem a uma população de cerca de um milhão de pessoas, contando com os cipriotas turcos que estão actualmente espalhados pelo mundo, mas a pátria de Sua Majestade sempre teve destas coisas, basta olharmos para África e para as fronteiras traçadas a régua e esquadro para se entender esta displicência. A República Turca do Chipre do Norte manteve a sua capital em Nicósia que é também a capital da República do Chipre pelo que foi dividida por um muro, onde passa a denominada linha verde que é vigiada por soldados das Nações Unidas, tal como o resto da fronteira entre as duas repúblicas sendo a República do Norte reconhecida apenas pela própria Turquia.

Os turcos são um povo que ao longo dos anos se têm vindo a modernizar, pelo menos segundo os nossos padrões ocidentais. Quem hoje tiver a oportunidade de visitar a nação turca verá um país em que dificilmente se verão marcantes diferenças entre a Europa e este seu vizinho euro-asiático sendo a parte europeia do território restos de um enorme e grandioso império otomano que fez frente às potências ocidentais na I Grande Guerra. O obreiro desta moderna Turquia foi sem dúvida Mustafah Kemal Attaturk, herói de Galipoli que tomou as rédeas do país em Outubro de 1923 tornando um país que até aí se via como súbdito muçulmano de um vasto império, numa nação independente, laica e democrática. O país é hoje administrado pelo senhor Recep Tayyp Erdogan, primeiro ministro de um governo do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e nos últimos tempos tem andado nas bocas do mundo por causa de um escândalo de cariz sexual que desabou sobre a oposição, o Partido de Acção Nacionalista (MHP), com vídeos destas actividades publicadas por um site na internet e que já originou a demissão de seis líderes deste partido e aquele site ameaça publicar ainda mais vídeos até que todos os líderes do MHP se demitam. Este partido vem alegando que terão caído numa armadilha do AKP (onde é que eu já ouvi isto?) e os líderes demissionários tê-lo-ão feito para “poupar o partido aos danos que tais acusações podem causar”. Resta sobre este assunto dizer que em Junho haverá eleições na Turquia e, se o MHP obtiver menos de 10% dos lugares ficará afastado do Parlamento permitindo ao AKP ter a oportunidade de obter uma maioria de 66% e assim rever a constituição sem convocar um referendo. Ao que parece os turcos estão a seguir a moda dos seus vizinhos ocidentais, usar as “fraquezas” dos políticos contra eles próprios desta vez sem acusados presos a bordo de aviões ou empregadas de hotel, vamos ver até onde vai esta história.

Estas eventuais “estratégias” políticas fizeram-me lembrar as misérias cá de casa. Temos vindo a assistir nos últimos tempos aos debates entre os nossos líderes de partidos políticos com assento parlamentar sendo que, segundo também ouvimos, a intenção é o esclarecimento dos votantes do dia 5 de Junho apresentando e discutindo as propostas para que o eleitorado seja esclarecido e possa tomar uma opção naquele dia. Temos visto também os comentadores de serviço darem a sua opinião sobre quem ganhou o debate, como se estivéssemos a falar de uma partida de futebol, ou de um jogo de hóquei patins lançando sobre as pessoas a sensação de que há vencidos e vencedores nestes debates e acicatando a clubite partidária que facilmente se converte no mais primário sentimento de qualquer claque caceteira e desbragada. Ouvimos os debates, pois ouvimos. Mas o que nos foi dado ouvir foram acusações, defesas, estratégias, uns com mais jeitinho outros com menos, uns mais bem treinados outros nem tanto, uns mais aprumadinhos outros mais populistas mas sobre Portugal nada. Não sei se alguém teve a oportunidade ou tempo ou paciência de ler o relatório que o Banco de Portugal publicou e que veio a público esta semana, quem o leu certamente ficou aterrorizado. Vamos, dentro de muito pouco tempo ter “uma contracção sem precedentes do rendimento real das famílias” é uma das frases que por lá se vê, ou seja dentro de muito pouco tempo as coisas vão ser tremendas para a grande parte das famílias portuguesas, eu diria serão de um dramatismo que no nosso tempo de vida não se terá nunca visto, as pessoas vão passar um mau bocado a sério e pelos vistos ainda não se deram conta disso. Entretanto os nossos políticos vêm para as televisões desfiar as suas mágoas defendendo-se e acusando-se num jogo de arrepiar, sem que a tão propalada verdade sobre o que nos espera a curto, curtíssimo, espaço de tempo tenha sido falada. E os comentadores dedicam-se a esta fantástica actividade que é convencer as pessoas que este ou aquele político venceram o debate. Talvez tenham vencido o jogo, talvez tenham usado uma estratégia bem delineada, talvez tenham conseguido driblar o adversário, mas então e Portugal? Ou o que conta realmente é aparecer nas televisões a dizer várias coisas, mas aparecer? Houve um político da nossa praça que aqui há uns anos disse algures num dos jornais da época – “Digam mal ou bem de mim, o que importa é que falem”. Quer-me parecer que é este o caso, falem deles, dos debates ganhos ou perdidos, das gravatas que usam (ou não), de serem mais isto ou aquilo ou de terem chegado à televisão de carro, de eléctrico ou a pé. O que é preciso é que falem, já os 125 mil milhões que vamos ter de pagar em seis anos (sim, cento e vinte e cinco mil milhões) é coisa de pouca monta, e pelos vistos nenhum tem soluções e as soluções que interessam é não dizer a todos nós como é que vai ser num jogo de sombras sem futuro mas com muito presente, o que vai acontecer no dia 6 de Junho logo se verá que afinal somos portugueses e enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O irlandês


E pronto, o FCP lá ganhou a final de Dublin. Embora eu tenha torcido pelo Sporting de Braga, não pelo nome me recordar algum clube da minha simpatia...... e sim porque seria um prémio ao percurso que fez ao longo desta Liga Europa tornando realidade o que há uns meses era apenas um sonho, mas ao fim de uma época realmente imparável os homens do Porto fizeram aquilo que era sua obrigação e de que toda a gente no fundo estava à espera, ganhar a final do estádio Arena em Dublin, que afinal dá pelo nome de Aviva Stadium já que o Grupo Aviva, o maior grupo segurador britânico e principal fornecedor europeu de seguros de vida e pensões (a Aviva PLC) conseguiu um acordo por 10 anos dos direitos do nome do estádio desde este ano.

Ao mesmo tempo que se jogava esta final memorável (para nós portugueses) Sua Majestade britânica teve mais um dia de visita à Irlanda que, desde a sua independência em 1921 tirada a ferros dessa mesma Inglaterra, nunca tinha sido visitada por um soberano britânico. Esta visita terá os seus objectivos e intenções políticas obviamente, mas quem não se recorda dos tiroteios, das bombas e das mortes em Belfast, em Londonderry e um pouco por toda a Irlanda do Norte? Ainda há pouco tempo os soldados ingleses e o Exército Republicano Irlandês trocavam "mimos" nas ruas, num conflito que tanto quanto sei durou desde os últimos anos do século XVIII com mortos incontáveis, entre os quais Lord Mounttbatten tio de Phillip of Mounttbatten marido da rainha Elizabeth que foi vítima de uma bomba na baía de Donegal na Irlanda, e intolerâncias difíceis de entender, quem se recordar de um filme quase pré histórico de nome "A filha de Ryan" ou do mais recente "Michael Collins" terá certamente ficado com uma pequena ideia do que por lá se passou. Sua Majestade britânica não foi ao estádio Arena ver os fantásticos futebolistas portugueses o que foi uma pena, afinal somos ou não a mais antiga aliança do mundo? Provavelmente não lhe mostraram aquele filme da câmara de Cascais que, a custo, evitou uma invasão militar dos portugueses à Finlândia e deu a conhecer aos portugueses algumas coisas sobre eles próprios de que muitos provavelmente não faziam a mínima ideia.

Tive a oportunidade de visitar a Irlanda no início deste século no âmbito de um grupo de trabalho, o EED (European Emergency Data-Project) que reunia periodicamente em todos países membros da União da época e, naquele ano a reunião decorreu em Galway na Irlanda (que por lá tem o impronunciável nome de Gaillimh), uma cidade fantástica junto ao mar na costa atlântica quase simetricamente oposta a Dublin. As reuniões decorriam o dia todo terminando pouco antes do jantar excepto na sexta feira em que terminavam às hora de almoço, pelo que tive a oportunidade de conhecer um pouco a cidade com alguns confrades do grupo de trabalho e especialmente com um colega e amigo, John Cunningham, que tanto quanto ao longo das inúmeras reuniões entendi, se deixou fazer de amores por uma hospedeira da TAP portuguesa na época residente em Boston pelo que o bom do irlandês volta e meia estava a caminho dos EUA para matar saudades. John é um típico irlandês, ruivo, vermelhusco, bebedor de cerveja, simpático, fanático pelo futebol e pela sua Irlanda natal e, entre uma visita ao Lynch' Castle e a Eyre Square era inevitável a paragem num dos inúmeros pub's que nascem por todo o lado, para uma cervejinha dois dedos de conversa e algumas vezes uma ensurdecedora cantoria de que nunca entendi coisa nenhuma. Na tal sexta feira em que os trabalhos terminaram à hora do almoço, o nosso amigo John levou-nos a um passeio fantástico por uma vila de pescadores próximo de Galway, Kinvarra, e é obrigatorio  visitar o Dunguaire Castle, um castelo numa quase ilha a lembrar o Rei Artur e a Távola Redonda onde se acotovelavam os omnipresentes japoneses e as suas máquinas fotográficas e, para não contrariar a previsibilidade do seu novo trabalho de cicerone entramos num dos inevitáveis pub’s em Kinvarra. Muita conversa, sempre com a hospedeira pelo meio, de cerveja em cerveja todos nós íamos desfiando um rosário de conversa cada vez mais animada pelas canecas que misteriosamente desapareciam e eram imediatamente substituídas por outras, numa sub-reptícia eficácia que fazia parecer que a cerveja nascia ali mesmo nos copos. Ao fim de um número indeterminado de canecas e outras tantas idas ao WC, decidimos que era altura de regressar a Galway pelo que entramos no carro do John para voltar ao hotel, ora os irlandeses têm aquela péssima mania de guiar pela esquerda o que a somar à astronómica quantidade de cerveja consumida ia tornando uma curta viagem (uns 30 minutos) numa verdadeira aventura automobilística que, acabou no fim de uma curva à frente de um carro da polícia. O nosso irlandês não se atrapalhou e entabulou de imediato uma ininteligível conversa com o polícia mediada de grandes gestos e até a sonoridade de uma ambulância em marcha de emergência. No carro já começávamos a imaginar como iríamos conseguir chegar a Galway uma vez que a quantidade de álcool no sangue do John iria marcar certamente um recorde nos anais da polícia irlandesa e nos próximos anos só nos restaria ir, pesarosamente visita-lo à prisão. A conversa prolongou-se e a certa altura o policia chama o outro colega e os três dirigem-se ao carro onde nos encontrávamos, John não se calava naquela verborreia que sabemos existir após libações intensas em nome de Baco e continuava a gesticular. O polícia mete a cabeça no carro e pergunta (traduzindo): -“Um de vocês é português?” Ao meu lado um finlandês (sim um desses terríveis inimigos de Portugal acompanhava-me, faço aqui um acto de contrição) e um alemão entreolharam-se tipo - Eu não sou…E eu senti cá dentro aquele friozinho que a gente sente nos apertos – Que diabo me quer um polícia irlandês? Até nem vou a guiar….

- Sim eu sou português – meio entre dentes

-  Ah um português ! Grande jogo !!!!!

Grande jogo? Que grande jogo? Este tipo também andou nos pub’s? -  pensei eu.

- Que grande jogo se refere ?

- Aquele dos penalties com os ingleses. O rapaz do Manchester marcou um penalty fantástico!

Pois, realmente era verdade. Tinha sido há pouco o campeonato europeu de futebol em Portugal e Cristiano Ronaldo tinha marcado o golo de penalty à Inglaterra naquele jogo memorável no estádio da Luz.

- Sim é verdade, um grande jogador – A falar de futebol no meio de uma estrada da Irlanda com um polícia que ia arranjar mil anos de cadeia ao meu anfitrião?????

- Não tenha dúvidas, se o United (Galway United) o tivesse por cá é que ia ser.

A conversa prosseguiu com o John Cunningham com o braço por cima do ombro do polícia a explicar-lhe que eu era um conhecido médico de uma equipa portuguesa de futebol e estava a numa reunião na Irlanda por causa das ambulâncias a aprender o sistema irlandês de socorro, ao que o polícia ia assentindo com a cabeça compenetradamente com alguns comentários de que não entendi patavina. Ao fim de um bom bocado de conversa, muitas palmadas nas costas e um espalhafatoso aceno John entra no carro e arrancamos para Galway.

- Então, como conseguiste safar-te desta? – Perguntou um dos nossos companheiros

- Nada de especial, é o meu cunhado. É doido por futebol e quis conhecer um compatriota do Ronaldo, sabes quem é?


John Cunningham acabou por casar com a hospedeira da TAP dos seus amores e todos os anos vem a Portugal, segundo ele para “some sun and some wine”, não sei se alguma vez foi apanhado pela polícia irlandesa depois de uma daquelas intermináveis libações de cerveja, por cá da última vez que nos visitou foi durante o campeonato do mundo de futebol na África do Sul e nunca deixou de ir ao Parque das Nações acompanhado pelo cunhado português, agente de uma força de segurança. Ele há destinos do arco da velha……..

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O francês


E lá prenderam o homem! Dominique Strauss-Kahn, director do FMI foi preso no aeroporto John Kennedy a bordo de um avião da Air France quando se preparava para partir para Paris. Segundo um sorridente (e trapalhão) polícia americano nos disse nos telejornais foi acusado de agressão sexual, violação e sequestro, depois de uma empregada do hotel Sofitel, em Nova Iorque, se ter queixado de que foi obrigada a fazer sexo oral e ter sido sodomizada (sic) pelo agora acusado director do FMI. Pelo que ficamos também a saber o homem tinha alguma apetência por actos sexuais complicados, uma jornalista apareceu agora a acusa-lo de, num encontro qualquer ele lhe ter tirado o soutien e tentado viola-la (apareceu agora...), em 2008 uma sua subordinada de nome Piroska Nagy (nome curioso, sem dúvida...), responsável pelas operações em África do FMI terá também sofrido os avanços deste sátiro, embora posteriormente se tenha chegado à conclusão que foi uma relação consentida e até a mulher do senhor director, Anne Sinclair comentou na altura que se trataria de uma "aventura de uma noite" sem qualquer importância. Ora este senhor director do FMI era nem mais nem menos o putativo candidato à sucessão de Nicholas Sarkozy (aquele da Carla Bruni...) que as sondagens dizem que ganharia as eleições para o palácio do Elyseu com uma margem de 61%, contra 39% de Sarkozy, situação esta que nos põe a pensar em teorias da conspiração mais obscuras, conhecendo esta fraqueza do senhor Strauss-Kahn (Mário Soares dixit) nada mais fácil do que plantar uma capitosa empregada de limpeza e fazer o homem sair nú do banho (como deve ser lindo...) à espera dos favores de uma empregadinha de hotel. Não sei se foi assim e também nunca saberemos, o certo é que o sujeito tem a vida feita num oito e a carreira política arrumada, uma boa notícia para o senhor Sarkozy. Mas o que me mexeu cá com as meninges foi saber que o quartinho onde o senhor Strauss-Kahn se alojava tinha um custo diário de 2000€/dia, a sua apetência especial por uma vida luxuosa e lembrar-me dos títulos dos jornais há pouco tempo: "DSK defende violentas políticas de austeridade na Irlanda e na Grécia" ou " "Novo chefe do FMI inicia funções com o despedimento de 600 funcionários da instituição"  a que apetecia juntar um outro título mais recente: "Ajuda a países europeus aumentam lucros do FMI em 63%", estes 63% correspondem a cerca 370 milhões de euros (sem contar com os juros do empréstimo a Portugal), nada mau tendo em conta que vem de uma perda de cerca de 132 milhões de euros em 2008 e tem vindo sempre a subir de lucros, nada a fazer os tipos emprestam dinheiro e ganham que se farta com isso, faz lembrar aquela música de Alberto Janes de que a Amália fez um sucesso nos anos 70 em que: "....foi ao usurário empenhar umas coisinhas", e na verdade fico com a sensação que temos alguma culpa no ataque do senhor DSK à pobrezinha da empregada do hotel já que uma parte dos 2000€ que o homem pagava, por dia pelo quarto vai ser paga por nós. Não faço a mínima ideia do que teremos ido empenhar ao usurário, para além dos ordenados, das pensões, dos impostos, etc, etc e sobretudo quem é que lá foi empenhar as "coisinhas", não foram certamente os pensionistas ou as pessoas que trabalham, mais uma vez o sr. Henrique Monteiro põe bem claro o que todos sabemos no seu último artigo de opinião: - "Mas não foi com pensionistas ou trabalhadores que houve derrapagens e se cometeram excessos. Foram sim estradas, inúteis, projectos inúteis, consultadorias inúteis, propaganda inútil, e boys inúteis que deram cabo do país. Além de inúteis promiscuidades com banqueiros e especuladores, com empresas do regime, ditadorzecos vários, etc. - , que em nada contribuíram para o louvado Estado social e apenas minaram a coesão do país". Na verdade o que acontece é que as pessoas se vêm obrigadas a ter de pagar o dinheiro que o(s) Governo(s) desperdiçou, e agora, por muito que se pregue e reclame, por muito que a gente fale e se lamente a factura está aí não há volta a dar-lhe, vamos mesmo ter de pagar o modesto quartinho que o senhor DSK alugou no Sofitel de Nova Iorque. É claro que nestas coisas de austeridade e apertar o cinto e andarmos a contar os tostões há sempre a necessidade de ir preparando a cabeça das pessoas encontrando culpados e gastadores. Vem isto a propósito das pensões milionárias de que ciclicamente vimos ouvindo falar, em reportagens e comentários demagógicos e intencionalmente tendenciosos que a nossa comunicação social tão bem sabe trabalhar. Gostava que se definisse o que são pensões milionárias, falar de uma coisa que não tem definição apenas pelo seu valor monetário ou é ignorância ou má fé ou (o mais provável) as duas coisas juntas. Uma pensão milionária o que é ? É a pensão de alguém que descontou toda a vida no seu ordenado determinado valor para depois usufruir dele na altura da reforma ? É a pensão que alguém recebe por ter desempenhado funções em orgãos de soberania durante meia dúzia de anos - ou nalguns casos durante meses como já se viu ? Sempre pensei que o que as pessoas recebem na altura da sua aposentação iria ser o correspondente aquilo que descontaram durante a sua vida activa, ou seja quem desconta mais recebe mais e quem desconta menos recebe menos, parece-me um princípio básico, mas nada mais fácil do que fazer acreditar um país, onde as pensões médias rondam os 600€, que a culpa é dos que recebem pensões ditas milionárias como se estes andassem a roubar descaradamente à maioria dos portugueses o dinheiro das suas pensões. A talhe de foice, quando se definir o que são pensões milionárias gostaria também que se esclarecesse quanto pagam os contribuintes aos partidos para continuarem a existir como tal, qual é o valor que cada partido recebe do orçamento de estado, quanto paga cada um de nós para os políticos, fala-se muito dos desmandos da função pública, do uso incontrolado dos dinheiros dos contribuintes mas nunca se fala dos dinheiros dos partidos, afinal também eles funcionários públicos pagos com o dinheirinho de todos nós. Vá lá digam-nos quanto recebe cada partido na fatia que lhes cabe do orçamento de estado, e assim começamos a chegar à propalada transparência de tanto se ouve falar  e de que todos se gabam de ser os paladinos. Ou têm medo de ter de pagar, como o comum dos mortais, uma fatia do quarto do senhor Dominique Strauss-Kahn?

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O português


Segundo nos conta o Diário Económico de 10 de Maio de 2011, a TAP vai cortar no número de elementos que compõem as tripulações de bordo nos aviões que passarão a contar com menos um elemento poupando a companhia 14 milhões de euros por ano. Aqui há uns anos li não sei bem onde, que a SAS (Sweden Air System), tinha poupado uma quantia parecida suprimindo uma azeitona na refeição que serviam a bordo dos seus aviões, claro da azeitona ao tripulante vai uma distância quanto mais não seja de dimensões…… Pelo que me tem sido dado observar, embora não seja um passageiro frequente (com grande pena minha, diga-se) das vezes que tenho viajado, as refeições a bordo têm vindo a diminuir de tamanho e qualidade ao longo do tempo, já não há azeitonas pelo que suponho que muito dinheiro se tem poupado, se adicionarmos o tripulante que vai deixar de existir, já a partir de Junho, às azeitonas grande deve ser a poupança que, se não servir para mais nada pelo menos ajuda a pagar os 42.000€ mensais que pagamos ao Sr. Fernando Pinto para gerir a nossa companhia de aviação a dar, em 2010, um prejuízo de alguns milhões de euros que, segundo o Jornal de Negócios tem a ver com o vulcão da Islândia, a subida do preço do petróleo e a empresa de assistência em terra, a Groudforce. Não tenho a intenção de “bater” no Sr. Fernando Pinto, pelo que vou lendo o homem tem feito um trabalho aceitável na companhia a aérea e até conseguiu reduzir perdas da TAP em 2008 de 285 milhões para 3,5 milhões em 2009, ao que parece um dos melhores anos de sempre da companhia. No site do Diário Económico há, logo abaixo da notícia um espaço para comentários dos leitores e nesta notícia muitos foram os que comentaram das mais diversas maneiras, desde: -“ x ferias por ano, viagens á borlix, hoteis de 5 *,4 ou 5 voos por mes com estadia de 4 ou mesmo 5 dias! há e podemos levar familia, amigos!!”, até: -“ Metade chegava e sobrava. Servem os tabuleiros a correr e passam os voos a descansar e na galhofa. Viajam em Executiva e gozam com quem paga bilhete. Nos intercontinentais desfrutam largos dias de férias entre voos, ao contrário dos das outras companhias que regressam no mesmo dia”, todos os comentários ao abrigo do anonimato obviamente, esta actividade tão querida aos portugueses que é dizer mal porque não tem, ou seja se eu não tenho acesso a uma mordomia nada como dizer mal sem saber porquê mas não tenho e pronto está errado, enfim é o povo que somos e nada a fazer. De vez em quando viajo na TAP há longos anos e se umas vezes corre muito bem outras corre menos bem, é assim mesmo (acho eu) em todo o lado.

Uma outra notícia que hoje ficamos a saber, desta vez pela Agência Lusa que a difundiu pelas televisões, foi o perdão da dívida da Guiné-Bissau pelo Clube de Paris no valor de 283 milhões de dólares, qualquer coisa por volta de 199 milhões de euros. A Guiné-Bissau há anos e anos que anda às voltas com um enorme tricot de problemas dos quais o tráfico de droga não será o menor deles, para além de um mosaico complicado de gentes com estruturas sociais, costumes e línguas diferentes (são por volta de 20 – vinte – etnias) papéis, balantas, biafadas, manjacos, mandingas, fulas, nalus, felupes e bijagós, são apenas algumas destas etnias que se acotovelam num pequeno território com pouco mais de 36.000 km2 em que cerca de 1/3 fica submerso na maré cheia, não é certamente coisa fácil de gerir e temos visto ao longo do tempo as guerras e a mortandade que ciclicamente por lá vêm ocorrendo, as últimas das quais as do Presidente João Bernardo Vieira (Nino) e do Chefe de Estado Maior das General das Forças Armadas, general Tagmé Na Waie, ao que parece graves discordâncias e rivalidades que remontariam ao tempo da Guerra do Ultramar (ou Guerra de África, ou como lhe queiram chamar) estariam na origem das mortes. Uma das situações mais complicadas que se viveu na Guiné-Bissau ocorreu em Agosto de 1998 com a revolta do Brigadeiro Ansumane Mane, também ele anteriormente Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas e demitido por Nino Vieira em Junho. Nino Vieira foi deposto como se sabe e no período de Agosto a Novembro viveu-se na Guiné-Bissau uma verdadeira guerra civil com a intervenção de tropas estrangeiras (Senegal) e um número indefinido de mortos, Ansumane Mane acabou por ser morto perto de Quinhamel em Novembro do mesmo ano de 1998 e Nino Vieira passado alguns anos regressou à presidência da Guiné. Como sempre acontece nas guerras há pessoas que fogem para paragens mais seguras muitas vezes sem nada, apenas com a vida. Neste cenário um barco português, salvo erro de nome Ponta de Sagres, encontrava-se atracado na Guiné na altura dos acontecimentos e tratou de zarpar para o largo o mais rápido que pôde, não sem antes recolher a bordo um grande número de refugiados (cerca de 1500 pessoas) que se amontoaram conforme puderam a bordo do navio tendo-se este dirigido a todo o vapor para o porto de Dakar, República do Senegal. Conheço muito bem a Guiné-Bissau, estive lá durante a guerra entre 1972 e 1974, depois nalgumas missões que a AMI desenvolveu no sector do Boé, mais propriamente em Lugadjole uma tabanca (aldeia) próxima da fronteira com a Guiné-Conakri. Talvez por isso o INEM, onde na época trabalhava, solicitou-me que coordenasse uma missão a Dakar para dar apoio aos refugiados da Guiné que estariam a chegar ao Senegal. O governo português disponibilizou aviões da Força Aérea (os habituais C-130) e algures por volta do mês de Setembro uma equipa formada por médicos e enfermeiros partiu com destino a Dakar, no entanto questões relacionadas com o plano de voo e respectivas autorizações, bem como atraso na chegada do barco a Dakar obrigou-nos a fazer escala por uns dias na ilha do Sal em Cabo Verde, o que a mim muito agradou já que ali nasci e brinquei nos bons tempos da pré-história, foram três dias óptimos descansados, de rever gente conhecida, de alguma lagosta e de boa conversa com os jornalistas que nos acompanhavam (um deles o Gomes Ferreira que hoje comenta assuntos económicos na SIC) e alguns banhos na praia de Santa Maria, de tão boa memória, começávamos mesmo a suspeitar que o trabalho da equipa se ia resumir a umas férias em Cabo Verde a banhos…. Mas, lá diz o povo não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe e depressa vieram as ordens de Lisboa, íamos mesmo para o Senegal, viagem sem história, num avião desconfortável e barulhento até Dakar, na época segundo os rankings a cidade mais cara do mundo, onde desembarcamos com um calor pegajoso e incómodo. Mesmo tratando-se de uma missão humanitária a polícia senegalesa cumpriu o seu papel e não prescindiu de nos fazer passar pela alfândega e pelo SEF lá do sítio o que pessoalmente me trouxe alguma ansiedade, o polícia da fronteira (um enorme negro impecavelmente fardado e chinelos havaianos nos pés) pegou no meu passaporte mirou e remirou, olhou para mim, voltou a olhar para o passaporte e sentenciou (traduzindo): -“Não pode entrar no Senegal, este passaporte não é seu”, esperava tudo menos aquilo, o passaporte não era meu?!?!?!?!?  –“Posso ver o passaporte por favor?”, sem me entregar o passaporte o polícia mostrou-me a fotografia: -“Não é você”, a fotografia mostrava um garboso rapaz de barba preta, numa daquelas lindas fotografias que a gente tem nos documentos, tiradas “à la minuta”, era eu indubitavelmente mas a barba já não era preta mas sim quase completamente branca. Como explicar àquele enorme africano que as barbas ficam brancas com os anos? Ao fim de alguma conversa e muito suor o homem, não muito confiante lá me entregou o passaporte com um “va t’en” entre dentes. O barco português afinal ainda não tinha atracado, estaria ao largo e”quase, quase a atracar” segundo o homem da embaixada que nos recebeu, pelo que nos levou a almoçar num restaurante algures no meio da cidade depois para a embaixada onde esperamos o quase, quase. Finalmente noite dentro o barco atracou e fomos transportados para o porto onde montanhas de gente entrava e saía do barco, sacos, malas, embrulhos, caixotes e todo uma série de embalagens de todos os tipos espalhavam-se pelo cais, gente que chorava, bebés que gritavam uma enorme confusão a que alguns militares senegaleses tentavam sem grande sucesso, dar alguma ordem. Nessa madrugada os refugiados foram transportados para o aeroporto de onde, viemos a saber depois, seriam transportados para Lisboa em aviões da TAP que o governo português providenciara. O local do aeroporto escolhido pelos senegaleses para alojar aquela multidão até que chegassem os aviões foi um pavilhão enorme que se destinava habitualmente a alojar os peregrinos muçulmanos se deslocam anualmente a Meca, uma enorme estrutura imponente ao lado do aeroporto que sem sombra de dúvida abrigaria o dobro das pessoas que para ali se dirigiam. Montamos um posto de socorros numa das várias salas e fomos então vendo e tratando muita daquela gente que, ainda sem acreditar muito bem no que lhes estava a acontecer, ansiosos, esfomeados, cansados procuravam apoio fosse onde fosse para ter algum alívio de tudo aquilo que ainda lhes parecia um sonho mau. Muitas crises hipertensivas, muita ansiedade, muita diarreia, enfim muita gente, chegar a todo o lado e atender toda a gente estava-se a revelar uma tarefa ciclópica e quase impossível. No meio desta confusão chegam finalmente os aviões da TAP, começamos a respirar de alívio, esticando o pescoço por cima da multidão, começamos a ver gente fardada de azul, cheios de dourados, hospedeiras de salto alto, o Sr. José Lello, na época Secretário de Estado das Comunidades se não me falha a memória, enfim já faltava pouco para regressar. No meio da catadupa de gente chega-me à sala onde tínhamos montado o posto de socorros um garboso tripulante muito bem fardado e sorridente que me cumprimenta: -“ Boa tarde. O senhor é o médico?”, entre um comprimido e um penso fui respondendo:
- Sim sou, posso ajuda-lo?

- Pois, é que tenho um problemazinho que talvez me pudesse ajudar a resolver
Mais uma espreitadela para os ouvidos de um miúdo, e a colocação de uma manga de tensão arterial

- Sim diga

- Eu sou o comandante (?) de um dos aviões da TAP que vem busca-los. Tenho dois filhos em casa, em Lisboa está bem de ver, com varicela e precisava de um atestado para a escola. O Sr. Doutor não me podia fazer esse favor?
Não sou capaz de descrever a quantidade de coisas que me passaram pela cabeça. O enfermeiro (o meu bom amigo Nelson) que me acompanhava quase desmaiou, a enfermeira lançou um olhar esquisito como se tivesse acabado de aterrar um OVNI e eu fiquei sem pinta de sangue. Que responder aquele tipo????? Mas a mãe natureza dá-nos forças onde a gente pensa que não tem e com uma calma que desconhecia ter respondi:

- Sabe aqui não tenho os papéis, mas quando chegarmos a Lisboa faça a o favor de me lembrar que eu vejo as crianças

Não voltei a ver o garboso comandante e até hoje não sei como se chamava mas que o homem tem um sentido de oportunidade único lá isso tem. Na altura fiquei a desejar-lhe que rapidamente viesse a ter vinte doenças graves e lentamente mortais, tudo ao mesmo tempo. Hoje, depois de todo este carnaval a que temos assistido, penso: - “ Que diabo o homem apenas se queria safar…”

terça-feira, 10 de maio de 2011

O jordano


Este fim de semana soubemos de um atentado à bomba em Baghdad com dezena e meia de mortos e mais de trinta feridos, mais uma bomba explode no Iraque, de tal maneira se vem tornado banal esta mortandade que quando a notícia nos é dada pelos telejornais já pouca gente vira a cabeça para ouvir. Gostava de perceber quando vai acabar esta coisa que o Sr. Bush iniciou em 2003 por causa das míticas armas de destruição maciça e, sobretudo gostava de saber como vai acabar. Algumas pessoas são capazes de se lembrar que isto não começou em 2003 mas sim em Agosto de 1990 quando o Iraque invadiu e ocupou o Kuwait num abrir e fechar de olhos e sem perguntar nada a ninguém, segundo o senhor Saddam Hussein porque o vizinho lhe andava a roubar o petróleo nas explorações que mantinha junto da fronteira no campo de Rumaila e de provocar a baixa do preço do petróleo ao produzir e vender mais que a cota estabelecida pela OPEP. Tanto quanto julgo saber a verdadeira razão teve a ver com uma dívida que o Iraque contraiu junto do Kuwait no valor de 80 mil milhões de dólares quando da guerra Irão-Iraque nos anos 80 (já vi várias versões desta quantia entre os 10 mil milhões e 80 milhões mas mais sobre esta última quantia) e de antigas reivindicações territoriais do Iraque sobre o Kuwait que remontavam aos anos 30 quando da independência do Iraque e das fronteiras desenhadas a régua e esquadro pelos britânicos intencionalmente limitando o acesso dos iraquianos ao mar para não ameaçar os interesses britânicos no Golfo Pérsico – tudo boa gente. A ONU com uma rapidez inaudita condenou a invasão e autorizou o uso da força para fazer retirar os iraquianos e em Janeiro de 1991 uma força comandada por um general americano de nome impronunciável, Norman Shwarzkopf invadiu o Kuwait e iniciou a Operação Tempestade no Deserto que terminou dois dias depois com a derrota do Iraque. Não, não vou comparar os 80 mil milhões do Sr. Saddam Hussein com os nossos 78 mil milhões emprestados sob a batuta da tríade das sandes de fiambre, podíamos realmente invadir a Finlândia que não queria entrar com a parte que lhe cabe das massas que aí vêm, mas aquilo por lá é frio que se farta além de longe como o caraças e não ia dar jeito nenhum, só por isso não advogo a invasão da Finlândia.

Voltando à Guerra do Golfo de 1991, a invasão deu-se em 1990 (Agosto) e em Setembro desse ano a AMI começou a preparar uma missão de emergência aos campos de refugiados que entretanto iam nascendo na fronteira Jordânia-Iraque. A AMI contactou vários médicos e enfermeiros para que dela fizessem parte, tendo o Fernando Nobre (esse mesmo) falado comigo para coordenar a missão. Partimos em Setembro num C-130 da Força Aérea, que estava integrado na colaboração que Portugal deu à coligação que combatia os iraquianos, via Cairo até Amman na Jordânia. No Cairo uma enorme confusão de autorizações de voo fez com que os egípcios nos pusessem a aguardar na placa do aeroporto sob um calor daqueles a sério horas infindas e depois de uma boa sauna e de uma atribulada soneca debaixo da asa do avião lá pudemos partir para o nosso destino final – Amman, na capital da jordana depois de um curto tempo alojados na casa que a AMI alugou para servir como base operacional e que curiosamente se tratava de um bloco de apartamentos que dava pelo romântico nome de Gôndola, partimos numa pequena coluna de jipes e camiões para a fronteira jordano-iraquiana. O destino era uma localidade chamada Ar Ruwayshid onde era suposto dar apoio com equipamento (medicamentos) ao hospital local e manter contactos com a estrutura de saúde que o Reino da Jordânia mantinha naquela localidade. A viagem até Ar Ruwayshid demorou horas infindas pelo meio de um deserto escaldante e algumas localidades dispersas, uma das quais Azraq que durante a I Guerra Mundial foi uma das bases do conhecido Thomas Edward Lawrence o famoso Lawrence da Arábia que se dedicava a dar conta do juízo aos turcos estourando-lhes os combóios. Finalmente a chegada ao destino, descarregaram-se os camiões com alguma ajuda de gente local mas sobretudo à custa dos nossos braços sob o olhar entre o desconfiado e curioso de alguns homens mais velhos que desfiavam uma espécie de terço na mão e iam comentando o desenrolar da operação. Seguiu-se o alojamento da equipa todos estávamos estafados e ia saber bem um banho e umas horas de sono pelo que nos dirigimos ao hotel da área, o Shatt Al-'Arab que se situava mesmo junto à fronteira, aí ficamos a saber que não se alugavam quartos mas sim camas pelo que ficamos numa enorme camarata no último andar com colchões dispostos no chão muito bem arrumadinhos e com um terraço magnífico com vista para o deserto e para a fronteira mesmo ali a uns 200 metros, nada mau, o chuveiro numa casota no terraço servia optimamente e depois do chuveiro uma boa soneca e esperar pelo próximo dia em que íamos iniciar a actividade no campo de refugiados. O campo de refugiados situava-se entre as fronteiras da Jordânia e do Iraque numa no man’s land entre arames farpados a uns bons trinta quilómetros do hotel, assim pela manhãzinha partimos em dois carros até ao campo Mercy atravessando a fronteira jordana e depois já próximo do campo um posto de controle onde soldados (?) barbudos com cara de poucos amigos nos lançavam olhares pouco tranquilizadores. Depois foi o campo, a montagem das tendas, a assistência aos refugiados que vinham aos magotes durante a noite empilhados em camionetas de passageiros até aquele campo e outros dois geridos pela Cruz Vermelha e pelos Médicos sem Fronteiras, era uma mistura de palestinianos, filipinos, cingaleses, bangladeshis, uma confusão de línguas e povos que tinham a sua vida no Kuwait servindo e trabalhando para o sheiks locais e de repente se viram encurralados pela invasão iraquiana optando por fugir, deslocando-se numa viagem de milhares de quilómetros. À noite novamente o regresso ao hotel  Shatt Al-'Arab, à cavaqueira com os vários jornalistas que nos acompanhavam, aos kebabs, e à nossa camarata que de dia para dia se tornava cada vez mais convidativa. E os dias iam decorrendo na mesma rotina hotel-campo de refugiados-hotel passando pelos soldados façanhudos do posto de controle a seguir à fronteira que todos os dias nos olhavam desconfiadamente, o que motivava comentários pouco tranquilizadores entre nós – “um destes dias estes tipos ainda nos fazem uma partida” e cada vez que se passava naquele local nós próprios nos encolhíamos instintivamente. Passamos dias e dias por ali até que, no regresso de um dia particularmente duro em que tivemos a chegada de quase mil refugiados, muitos em condições deploráveis com sequelas de acidentes durante a viagem, quando chegamos aos soldados no posto de controle um deles particularmente mal encarado, careca, com uma barba enorme emaranhada e suja levantou a mão segurando uma espingarda e pôs-se à frente do carro - “É agora” pensei eu. Juntamente com outro soldado deu a volta ao carro, espreitou para a parte de trás onde uma médica e uma enfermeira se encolhiam, abriu sem cerimónia o porta bagagens, mandou sair o condutor com quem trocou meia dúzia de palavras ininteligíveis e dirigiu-se a mim no banco da frente, sempre de arma em punho. Confesso que não foi das situações mais confortáveis da minha vida e já me via atirado para uma qualquer masmorra no deserto cercado de barbudos vestidos de djellabas, aqueles balandraus que se viam por todo o lado e armados até aos dentes. O homem debruçou-se na janela do carro olhou-me e diz num impecável inglês: - “Are you the doctor?”, eu meio a tremer “Yes”, diz o nosso homem (traduzindo): - “Meu Deus felizmente! Há vários dias que ando a pensar pedir-vos para parar mas não queria incomoda-los”. Não nos queria incomodar ??? Fiquei completamente confuso e tolhidinho da língua. – “Não nos queria incomodar como?”
Diz o barbudo soldado:
- Sim, sabemos o trabalho que estão a fazer. Mas eu tenho um problema para que precisava de pedir a sua ajuda
- Então o que se passa? – Começava a recompor-me do susto…
- É que tenho o cabelo todo a cair – meteu a careca na janela do carro – e queria ver se me podiam dar uma ajuda nisso
Entreolhei as minhas companheiras no carro sem saber muito bem o que fazer. O tipo era careca que nem um ovo e no meio de lado nenhum manda parar o carro para pedir remédio para a queda do cabelo??? Num daqueles repentes que às vezes nos dão nos apertos fiz o ar mais sério do mundo:
- Mas claro. Vamos já tratar disso.
Saí do carro, abri o porta bagagens onde tínhamos alguns medicamentos que nunca deixávamos no campo e comecei a pensar que raio ia eu dar ao careca barbudo. Remexi nas caixas e nada, soros, seringas, injectáveis, sistemas, pomadas. Pomadas ? Ora aí está pomadas! A caixa tinha variadíssimas pomadinhas desde anti alérgicos a analgésicos e, no meio daquilo uma pomada qualquer numa embalagem linda azul claro, nem mais, nada como uma pomadinha para fazer crescer o cabelo aos carecas.
- Aqui tem. Esfrega isto na cabeça de manhã é à noite durante duas semanas depois descansa mais duas e volta a aplicar. Vai resultar certamente.
O barbudo careca desfez-se em agradecimentos, fez uma continência impecável, mostrou a pomada aos companheiros disse qualquer coisa ao condutor e fez-nos sinal para seguirmos.
Durante mais uma semana passamos pelo posto de controle e tínhamos sempre direito a uma espalhafatosa continência dos soldados e sempre que o careca lá estava agitava no ar a bisnaga de pomada que eu, salvador dos carecas, lhe tinha dado.
Não sei o que o jordano pensa hoje de um sujeito, que num dia longínquo de 1990 lhe mandou besuntar a cabeça com pomada, no meio de lado nenhum no deserto de Ar Ruwayshid e vou ficar com uma eterna dúvida:
 – Será que o cabelo lhe voltou a crescer?

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O argentino


No fim de semana o inevitável Expresso (inevitável para mim que compro aquela sacada de papel religiosamente todas as semanas, ainda não entendi bem se por hábito se por gosto….), o inevitável Expresso, dizia eu, tinha os habituais artigos de opinião e a páginas tantas lá vinha mais um senhor a falar da crise e do FMI, falo de um pequeno artigo de opinião do senhor Henrique Monteiro, nada de novo no artigo a não ser que a certa altura fala brevemente da história da orquestra do Teatro Scala, de Milão onde Riccardo Muti que ali foi maestro durante 19 anos acabou por ser saneado (sic) em 2005, tendo sido substituído pelo maestro argentino Daniel Barenboim, tanto quanto julgo saber em Maio de 2006, não sei se se recordam mas este Barenboim em 1999 foi o co-fundador, juntamente com Edward Said, da orquestra West-Eastern Divan Orchestra que junta músicos do Egipto, Irão, Israel, Jordânia, Líbano, Palestina e Síria, na época muito falada pela comunicação social. O maestro nasceu em Buenos Aires em 1942 descendente de judeus russos, para quem, como se sabe, a vida não corria lá muito bem na mãe pátria sob a batuta de um simpático senhor que se chamava Joseph Stalin. Depois de ter dedicado uma grande parte da sua vida a reger orquestras um pouco por todo o mundo, de ser um executante de música brilhante e de ter sido director de várias orquestras na Europa e Estados Unidos, no início dos anos 90 encontra-se no lobby de um hotel de Londres com um intelectual e crítico literário, Edward Said, professor da Universidade da Columbia nos Estados Unidos e um apaixonado pela música clássica e também pela causa palestiniana tendo sido membro do Conselho Nacional Palestiniano, causa a que esteve ligado até à morte em 2003. Estes dois homens, um judeu (que possui as nacionalidades argentina, israelita e espanhola) e um palestiniano militante convicto conversam muito desde que se encontraram em Londres e, já no final dos anos 90 criam a já referida West-Eastern Divan Orchestra juntando jovens de diferentes nacionalidades e, aparentemente de campos políticos completamente opostos do Médio Oriente intencionalmente para passar a mensagem de que era possível a pessoas com pensamento muito diferente e até inimigos desenvolver, em conjunto uma actividade importante e de enorme qualidade. A West-Eastern Divan Orchestra tem dado concertos um pouco por todo o mundo sendo o mais mediático de que provavelmente todos se lembrarão o concerto de Ramallah em 2004.

Ora nós por cá dedicamo-nos a esta actividade da maledicência, da intriga e da inimizade figadal alegremente, esquecendo-nos do país e do povo de quem todos falam mas a quem dão uma importância no mínimo discutível. Um diz que com o outro nem pensar em trabalhar, o outro diz que aquele é um troca tintas, aparece um outro que só pensa nos pequenos agricultores, nas pensões e nas PME e beija criancinhas e peixeiras pelas feiras, outros contestam tudo e todos na sua intectualidade caviar, outros ainda continuam pendurados nas reminiscências de 1917, e ainda outros ocupam televisões de vassoura na mão. Fantástico! No fim disto tudo que diabo se vai passar? Será que podemos pedir ajuda ao Sr. Barenboim? É que escaldado como estou com as contas que periodicamente me vão apresentando começo a ficar preocupado com a factura que virá aí, já não chega a que aqueles senhores das sandes de fiambre nos apresentaram ainda vai aparecer a que os desentendimentos pessoais e tricas de comadres vão gerar.

O pequeno artigo do Sr. Henrique Medina no Expresso põe também a questão de, o Teatro Scala ao nomear um argentino para dirigir a sua orquestra resolveu um problema, nós temos o problema de não poder abrir um concurso internacional para primeiro-ministro. É pena. Cumprir do acordo firmado entre o governo de Portugal e a tríade de senhores simpáticos não vai ser pêra doce, a cada três meses cá estarão a ver se as continhas estão em a correr de forma a receberem as massas que benevolamente nos emprestaram e vai ser uma chatice colocar os boys à sorrelfa ou criar mais algum instituto público ou alto comissariado, sem dar nas vistas da dita tríade. Se abríssemos um concurso internacional provavelmente os concorrentes não seriam muitos (quem quer pegar nesta coisa?) mas alguns haveria e mais difícil seria ao clubismo partidário colonizar alguém que viria sabe o Criador de onde e que apenas teria de cumprir o que o programa de governo já elaborado estipula sem mais conversas, contratava-se o dito gestor por quatro anos (três para cumprir o acordo e mais um para deixar um trabalho asseado) e ao fim desse tempo ia à vida dele que aturar isto por mais de quatro anos não é tarefa fácil. Ao fim desse tempo talvez já tivéssemos algum juízo e respeito pelos outros e deixássemos de andar às cotoveladas aos vizinhos a ver se também nós nos safávamos. Mas então propõe-se que um estrangeiro venha gerir os destinos da nossa pátria?!?!?!?!? Que sacrilégio!!!!!!!!!!!!! Perdeu-se o orgulho de sermos a nação mais antiga da Europa e das mais antigas do mundo com mais de oito séculos de história??????  Então nós não somos os mais indicados para gerir os nossos próprios destinos e decidir o que queremos fazer das nossas vidas????  Não, não somos. Isso já ficou mais que provado até à saciedade.

domingo, 8 de maio de 2011

O romano


Sempre ouvi falar na história do general romano que, tendo sido colocado na Lusitânia ao fim de um tempo enviou para Roma um relatório sobre a forma como decorria a campanha que terminava com a mensagem: “- Para além dos Montes Hermínios encontrei um povo que não se governa nem se deixa governar.” Não sei se é verdade ou não ter existido a dita mensagem mas hoje enquanto ouvia mais um comentador de economia que novamente insistia no desgoverno do nosso pequeno canto, da oportunidade única de poder por as famosas contas em dia, do perigo real do não cumprimento do acordo com os nossos recentes visitantes que, em quinze dias fizeram um programa de governo que ao que parece se limitou a conter aquilo que o bom senso aconselhava e que nós próprios em trinta e tal anos não fomos capazes de fazer, ao ponto de durante esse espaço de tempo termos sido obrigados a chamar cá os mesmos senhores três vezes – é obra, sem dúvida! Claro que estes comentários vão tomando a tonalidade do senhor que comenta, carrega nas tintas, esborrata-as um pouco mais, dá-lhes uma tonalidade diáfana enfim aquilo a que a gente já se foi habituando vai-se vendendo o peixe pelo preço mais adequado no momento independentemente de o peixe ter vindo num carro de bois de Lutécia ou num barco frigorífico japonês, o que importa é vendê-lo. Seja como for alguma coisa deve haver, todos acabam por dizer que a coisa é difícil e que as nossas vidas vão levar um trambolhão daqueles a sério, depois a conversa varia de acordo com as tintas e uns cortam aqui, outros ali, uns aumentam além outros diminuem acolá, até parece que o importante é que fiquemos com a cabeça cheia de confusões. Mas à parte esta salada o que me parece é que realmente alguma coisa correu muito mal e alguém tratou de se por a gastar o meu rico dinheirinho à tripa forra e depois ainda me vem obrigar a pagar por isso – mais uma vez é obra! Não me apetece desfiar aqui um rosário de lamentações e especulações sobre o destino do dinheiro dos nossos impostos, acho que só um distraído (mas muito distraído mesmo) não se foi dando conta dos boys das mais diversas cores sentados à manjedoura do poder, das cedências inqualificáveis às corporações, do político profissional sem emprego definido, do desbaratar dos dinheiros de todos nós na caça ao voto com uma lógica única – a tomada do poder, já todos vimos este filme e, ou o clubismo tolda a vista ou já dificilmente nos conseguem surpreender.

Mas voltando ao assunto estava a ouvir o senhor economista e dei comigo a pensar na mensagem do romano que se embaralhou com os nossos antepassados. Realmente, quando naquelas conversas com os amigos se resolvem os problemas do país e do mundo à luz de uma bica fumegante alguém acaba por dizer que não, que isso não foi coisa de portugueses, os portugueses são uns pequenos vigaristas e carteiristas mas não se metem a grandes e perigosas “cavalarias”, como se fossemos lituanos a falar de Portugal ou seja falamos dos outros, dos nossos compatriotas sim mas não de nós próprios muito sérios ali à roda da mesa do café. Depois regressamos às nossas vidinhas e cada um à sua maneira faz o possível por se ir safando neste vale de lágrimas. Fugimos aos impostos, evitamos passar recibos, fanamos os lápis e as esferográficas nos empregos, tiramos fotocópias para os livros dos filhos no escritório, metemos baixa para ir fazer uma perninha no outro emprego, chegamos tarde ao trabalho – “lá dei a volta ao chefe” - e temos orgulho nisso, etc., etc., etc. Então porque é que toda a gente ficou tão escandalizada quando os senhores deputados faltaram à Assembleia da República para ir ver a bola ?  São tão lituanos como nós, são portugueses tal e qual, descendendentes do Viriato que punha a cabeça à roda ao romano. E foi assim que todos juntos tivemos de chamar os senhores do FMI cá nessas três vezes, em média de dez em dez anos temos de cravar alguém para continuarmos a poder viver como país – é obra! Mas reclamamos dos políticos que temos, indignados com a forma como vão gerindo a coisa pública, pois…… mas também eles descendem dos lusitanos e nada mais fazem do que se irem safando, porque raio é que a gente leva na pasta os clipes e uma resma de papel que arrecadou no escritório, pousa a dita na cadeira ao lado e desata a comentar sobre aquele tipo que esteve tão bem sentado lá no governo e agora anda às voltas com a justiça com um desviozinho de dinheiros e umas luvas que recebeu para facilitar a vida à empresa de um conhecido? Reclamamos porquê? Afinal para lá dos Montes Hermínios sempre há um povo que não se governa nem deixa governar, vai havendo quem se governe mas não o povo. Tiveram de vir uns senhores muito simpáticos que até comem sandes de fiambre no café logo ali ao pé do Ritz para nos dizer como é que esta coisa se faz, não sei se também mandaram alguma mensagem para Nova Iorque ou para Bruxelas mas para nós mandaram - ou temos vergonha na cara ou a coisa vai fiar fino, ou melhor fiar parece que vai mesmo, a questão é saber concretamente a espessura da agulha.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Hac Nobis

Pois realmente deu-me para começar um blog.
Confesso que não sei bem como isto funciona mas pareceu-me uma ideia interessante ir escrevendo e vendo quem comenta (se é que alguém vai comentar...) e o que dizem. Há o Facebook, claro que há, partilhamos algumas pequenas coisas, pequenos links, pequenos textos mas não é bem o género de coisa em que se escrevem idéias de forma corrida ou se comenta isto e aquilo, afinal nos dias que correm há tanta gente por aí a ganhar a vida com comentários de toda a ordem desde os políticos até aos economistas (a grande moda do momento) passando pelos insignes treinadores de bancada enfim, vamos ver o que acontece. Há muita gente vai seguindo os blogs e até há quem se dedique a comentar, nos meios de comunicação os ditos e respectivos textos então porque não inventar mais um ?
Hac nobis (Aqui para nós) foi o título que me pareceu mais interessante, além de que em latim fica muito mais in ... Volta e meia vou espreitar os blogger's e os textos que colocam e tenho encontrado de tudo desde blogs lamechas cheios de florzinhas (não sei se algum terá fotografias daquele menino com a lágrima no olho) e poemas lamentosos, os ditos mais sérios, como o 31 da Armada ou o Abrupto ou outros ainda com fotografias e descrições de viagens ou ainda alguns outros em que as pessoas pura e simplesmente vão escrevendo sobre coisas... É assim mesmo - coisas, das vidas, dos êxitos, dos fracassos, de tudo e mais alguma coisa. A moda será o Twiter, até a morte (?) do Sr. Bin Laden foi comentada em primeira mão no Twiter - Andam por aqui helicópteros a sobrevoar as nossas casas, disse um senhor paquitanês na hora do assalto dos SEALS da força especial e ultra secreta (diz a Visão) que entrou por ali dentro e terá "limpo o sarampo" ao homem. Ainda não me deu na cabeça desatar a twitar e tanto quanto sei aquela coisa dá para escrever 120 caracteres (ou 240...), não era bem essa a ideia mas, nunca digas desta água não beberei. Bom já está, vamos ver o que acontece agora. Como diria o outro, até lá façam o favor de ser felizes