quinta-feira, 12 de maio de 2011

O português


Segundo nos conta o Diário Económico de 10 de Maio de 2011, a TAP vai cortar no número de elementos que compõem as tripulações de bordo nos aviões que passarão a contar com menos um elemento poupando a companhia 14 milhões de euros por ano. Aqui há uns anos li não sei bem onde, que a SAS (Sweden Air System), tinha poupado uma quantia parecida suprimindo uma azeitona na refeição que serviam a bordo dos seus aviões, claro da azeitona ao tripulante vai uma distância quanto mais não seja de dimensões…… Pelo que me tem sido dado observar, embora não seja um passageiro frequente (com grande pena minha, diga-se) das vezes que tenho viajado, as refeições a bordo têm vindo a diminuir de tamanho e qualidade ao longo do tempo, já não há azeitonas pelo que suponho que muito dinheiro se tem poupado, se adicionarmos o tripulante que vai deixar de existir, já a partir de Junho, às azeitonas grande deve ser a poupança que, se não servir para mais nada pelo menos ajuda a pagar os 42.000€ mensais que pagamos ao Sr. Fernando Pinto para gerir a nossa companhia de aviação a dar, em 2010, um prejuízo de alguns milhões de euros que, segundo o Jornal de Negócios tem a ver com o vulcão da Islândia, a subida do preço do petróleo e a empresa de assistência em terra, a Groudforce. Não tenho a intenção de “bater” no Sr. Fernando Pinto, pelo que vou lendo o homem tem feito um trabalho aceitável na companhia a aérea e até conseguiu reduzir perdas da TAP em 2008 de 285 milhões para 3,5 milhões em 2009, ao que parece um dos melhores anos de sempre da companhia. No site do Diário Económico há, logo abaixo da notícia um espaço para comentários dos leitores e nesta notícia muitos foram os que comentaram das mais diversas maneiras, desde: -“ x ferias por ano, viagens á borlix, hoteis de 5 *,4 ou 5 voos por mes com estadia de 4 ou mesmo 5 dias! há e podemos levar familia, amigos!!”, até: -“ Metade chegava e sobrava. Servem os tabuleiros a correr e passam os voos a descansar e na galhofa. Viajam em Executiva e gozam com quem paga bilhete. Nos intercontinentais desfrutam largos dias de férias entre voos, ao contrário dos das outras companhias que regressam no mesmo dia”, todos os comentários ao abrigo do anonimato obviamente, esta actividade tão querida aos portugueses que é dizer mal porque não tem, ou seja se eu não tenho acesso a uma mordomia nada como dizer mal sem saber porquê mas não tenho e pronto está errado, enfim é o povo que somos e nada a fazer. De vez em quando viajo na TAP há longos anos e se umas vezes corre muito bem outras corre menos bem, é assim mesmo (acho eu) em todo o lado.

Uma outra notícia que hoje ficamos a saber, desta vez pela Agência Lusa que a difundiu pelas televisões, foi o perdão da dívida da Guiné-Bissau pelo Clube de Paris no valor de 283 milhões de dólares, qualquer coisa por volta de 199 milhões de euros. A Guiné-Bissau há anos e anos que anda às voltas com um enorme tricot de problemas dos quais o tráfico de droga não será o menor deles, para além de um mosaico complicado de gentes com estruturas sociais, costumes e línguas diferentes (são por volta de 20 – vinte – etnias) papéis, balantas, biafadas, manjacos, mandingas, fulas, nalus, felupes e bijagós, são apenas algumas destas etnias que se acotovelam num pequeno território com pouco mais de 36.000 km2 em que cerca de 1/3 fica submerso na maré cheia, não é certamente coisa fácil de gerir e temos visto ao longo do tempo as guerras e a mortandade que ciclicamente por lá vêm ocorrendo, as últimas das quais as do Presidente João Bernardo Vieira (Nino) e do Chefe de Estado Maior das General das Forças Armadas, general Tagmé Na Waie, ao que parece graves discordâncias e rivalidades que remontariam ao tempo da Guerra do Ultramar (ou Guerra de África, ou como lhe queiram chamar) estariam na origem das mortes. Uma das situações mais complicadas que se viveu na Guiné-Bissau ocorreu em Agosto de 1998 com a revolta do Brigadeiro Ansumane Mane, também ele anteriormente Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas e demitido por Nino Vieira em Junho. Nino Vieira foi deposto como se sabe e no período de Agosto a Novembro viveu-se na Guiné-Bissau uma verdadeira guerra civil com a intervenção de tropas estrangeiras (Senegal) e um número indefinido de mortos, Ansumane Mane acabou por ser morto perto de Quinhamel em Novembro do mesmo ano de 1998 e Nino Vieira passado alguns anos regressou à presidência da Guiné. Como sempre acontece nas guerras há pessoas que fogem para paragens mais seguras muitas vezes sem nada, apenas com a vida. Neste cenário um barco português, salvo erro de nome Ponta de Sagres, encontrava-se atracado na Guiné na altura dos acontecimentos e tratou de zarpar para o largo o mais rápido que pôde, não sem antes recolher a bordo um grande número de refugiados (cerca de 1500 pessoas) que se amontoaram conforme puderam a bordo do navio tendo-se este dirigido a todo o vapor para o porto de Dakar, República do Senegal. Conheço muito bem a Guiné-Bissau, estive lá durante a guerra entre 1972 e 1974, depois nalgumas missões que a AMI desenvolveu no sector do Boé, mais propriamente em Lugadjole uma tabanca (aldeia) próxima da fronteira com a Guiné-Conakri. Talvez por isso o INEM, onde na época trabalhava, solicitou-me que coordenasse uma missão a Dakar para dar apoio aos refugiados da Guiné que estariam a chegar ao Senegal. O governo português disponibilizou aviões da Força Aérea (os habituais C-130) e algures por volta do mês de Setembro uma equipa formada por médicos e enfermeiros partiu com destino a Dakar, no entanto questões relacionadas com o plano de voo e respectivas autorizações, bem como atraso na chegada do barco a Dakar obrigou-nos a fazer escala por uns dias na ilha do Sal em Cabo Verde, o que a mim muito agradou já que ali nasci e brinquei nos bons tempos da pré-história, foram três dias óptimos descansados, de rever gente conhecida, de alguma lagosta e de boa conversa com os jornalistas que nos acompanhavam (um deles o Gomes Ferreira que hoje comenta assuntos económicos na SIC) e alguns banhos na praia de Santa Maria, de tão boa memória, começávamos mesmo a suspeitar que o trabalho da equipa se ia resumir a umas férias em Cabo Verde a banhos…. Mas, lá diz o povo não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe e depressa vieram as ordens de Lisboa, íamos mesmo para o Senegal, viagem sem história, num avião desconfortável e barulhento até Dakar, na época segundo os rankings a cidade mais cara do mundo, onde desembarcamos com um calor pegajoso e incómodo. Mesmo tratando-se de uma missão humanitária a polícia senegalesa cumpriu o seu papel e não prescindiu de nos fazer passar pela alfândega e pelo SEF lá do sítio o que pessoalmente me trouxe alguma ansiedade, o polícia da fronteira (um enorme negro impecavelmente fardado e chinelos havaianos nos pés) pegou no meu passaporte mirou e remirou, olhou para mim, voltou a olhar para o passaporte e sentenciou (traduzindo): -“Não pode entrar no Senegal, este passaporte não é seu”, esperava tudo menos aquilo, o passaporte não era meu?!?!?!?!?  –“Posso ver o passaporte por favor?”, sem me entregar o passaporte o polícia mostrou-me a fotografia: -“Não é você”, a fotografia mostrava um garboso rapaz de barba preta, numa daquelas lindas fotografias que a gente tem nos documentos, tiradas “à la minuta”, era eu indubitavelmente mas a barba já não era preta mas sim quase completamente branca. Como explicar àquele enorme africano que as barbas ficam brancas com os anos? Ao fim de alguma conversa e muito suor o homem, não muito confiante lá me entregou o passaporte com um “va t’en” entre dentes. O barco português afinal ainda não tinha atracado, estaria ao largo e”quase, quase a atracar” segundo o homem da embaixada que nos recebeu, pelo que nos levou a almoçar num restaurante algures no meio da cidade depois para a embaixada onde esperamos o quase, quase. Finalmente noite dentro o barco atracou e fomos transportados para o porto onde montanhas de gente entrava e saía do barco, sacos, malas, embrulhos, caixotes e todo uma série de embalagens de todos os tipos espalhavam-se pelo cais, gente que chorava, bebés que gritavam uma enorme confusão a que alguns militares senegaleses tentavam sem grande sucesso, dar alguma ordem. Nessa madrugada os refugiados foram transportados para o aeroporto de onde, viemos a saber depois, seriam transportados para Lisboa em aviões da TAP que o governo português providenciara. O local do aeroporto escolhido pelos senegaleses para alojar aquela multidão até que chegassem os aviões foi um pavilhão enorme que se destinava habitualmente a alojar os peregrinos muçulmanos se deslocam anualmente a Meca, uma enorme estrutura imponente ao lado do aeroporto que sem sombra de dúvida abrigaria o dobro das pessoas que para ali se dirigiam. Montamos um posto de socorros numa das várias salas e fomos então vendo e tratando muita daquela gente que, ainda sem acreditar muito bem no que lhes estava a acontecer, ansiosos, esfomeados, cansados procuravam apoio fosse onde fosse para ter algum alívio de tudo aquilo que ainda lhes parecia um sonho mau. Muitas crises hipertensivas, muita ansiedade, muita diarreia, enfim muita gente, chegar a todo o lado e atender toda a gente estava-se a revelar uma tarefa ciclópica e quase impossível. No meio desta confusão chegam finalmente os aviões da TAP, começamos a respirar de alívio, esticando o pescoço por cima da multidão, começamos a ver gente fardada de azul, cheios de dourados, hospedeiras de salto alto, o Sr. José Lello, na época Secretário de Estado das Comunidades se não me falha a memória, enfim já faltava pouco para regressar. No meio da catadupa de gente chega-me à sala onde tínhamos montado o posto de socorros um garboso tripulante muito bem fardado e sorridente que me cumprimenta: -“ Boa tarde. O senhor é o médico?”, entre um comprimido e um penso fui respondendo:
- Sim sou, posso ajuda-lo?

- Pois, é que tenho um problemazinho que talvez me pudesse ajudar a resolver
Mais uma espreitadela para os ouvidos de um miúdo, e a colocação de uma manga de tensão arterial

- Sim diga

- Eu sou o comandante (?) de um dos aviões da TAP que vem busca-los. Tenho dois filhos em casa, em Lisboa está bem de ver, com varicela e precisava de um atestado para a escola. O Sr. Doutor não me podia fazer esse favor?
Não sou capaz de descrever a quantidade de coisas que me passaram pela cabeça. O enfermeiro (o meu bom amigo Nelson) que me acompanhava quase desmaiou, a enfermeira lançou um olhar esquisito como se tivesse acabado de aterrar um OVNI e eu fiquei sem pinta de sangue. Que responder aquele tipo????? Mas a mãe natureza dá-nos forças onde a gente pensa que não tem e com uma calma que desconhecia ter respondi:

- Sabe aqui não tenho os papéis, mas quando chegarmos a Lisboa faça a o favor de me lembrar que eu vejo as crianças

Não voltei a ver o garboso comandante e até hoje não sei como se chamava mas que o homem tem um sentido de oportunidade único lá isso tem. Na altura fiquei a desejar-lhe que rapidamente viesse a ter vinte doenças graves e lentamente mortais, tudo ao mesmo tempo. Hoje, depois de todo este carnaval a que temos assistido, penso: - “ Que diabo o homem apenas se queria safar…”

1 comentário:

  1. Oh meu amigo e compadre
    denoto que a sua veia escriba está, quiçá, a aguçar-se, pois que tempo lhe não falte que histórias são mais que muitas.
    Se assimentender darei o meu modesto contributo para este desiderato
    grande abraço, parabéns pela iniciativa

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