quinta-feira, 19 de maio de 2011

O irlandês


E pronto, o FCP lá ganhou a final de Dublin. Embora eu tenha torcido pelo Sporting de Braga, não pelo nome me recordar algum clube da minha simpatia...... e sim porque seria um prémio ao percurso que fez ao longo desta Liga Europa tornando realidade o que há uns meses era apenas um sonho, mas ao fim de uma época realmente imparável os homens do Porto fizeram aquilo que era sua obrigação e de que toda a gente no fundo estava à espera, ganhar a final do estádio Arena em Dublin, que afinal dá pelo nome de Aviva Stadium já que o Grupo Aviva, o maior grupo segurador britânico e principal fornecedor europeu de seguros de vida e pensões (a Aviva PLC) conseguiu um acordo por 10 anos dos direitos do nome do estádio desde este ano.

Ao mesmo tempo que se jogava esta final memorável (para nós portugueses) Sua Majestade britânica teve mais um dia de visita à Irlanda que, desde a sua independência em 1921 tirada a ferros dessa mesma Inglaterra, nunca tinha sido visitada por um soberano britânico. Esta visita terá os seus objectivos e intenções políticas obviamente, mas quem não se recorda dos tiroteios, das bombas e das mortes em Belfast, em Londonderry e um pouco por toda a Irlanda do Norte? Ainda há pouco tempo os soldados ingleses e o Exército Republicano Irlandês trocavam "mimos" nas ruas, num conflito que tanto quanto sei durou desde os últimos anos do século XVIII com mortos incontáveis, entre os quais Lord Mounttbatten tio de Phillip of Mounttbatten marido da rainha Elizabeth que foi vítima de uma bomba na baía de Donegal na Irlanda, e intolerâncias difíceis de entender, quem se recordar de um filme quase pré histórico de nome "A filha de Ryan" ou do mais recente "Michael Collins" terá certamente ficado com uma pequena ideia do que por lá se passou. Sua Majestade britânica não foi ao estádio Arena ver os fantásticos futebolistas portugueses o que foi uma pena, afinal somos ou não a mais antiga aliança do mundo? Provavelmente não lhe mostraram aquele filme da câmara de Cascais que, a custo, evitou uma invasão militar dos portugueses à Finlândia e deu a conhecer aos portugueses algumas coisas sobre eles próprios de que muitos provavelmente não faziam a mínima ideia.

Tive a oportunidade de visitar a Irlanda no início deste século no âmbito de um grupo de trabalho, o EED (European Emergency Data-Project) que reunia periodicamente em todos países membros da União da época e, naquele ano a reunião decorreu em Galway na Irlanda (que por lá tem o impronunciável nome de Gaillimh), uma cidade fantástica junto ao mar na costa atlântica quase simetricamente oposta a Dublin. As reuniões decorriam o dia todo terminando pouco antes do jantar excepto na sexta feira em que terminavam às hora de almoço, pelo que tive a oportunidade de conhecer um pouco a cidade com alguns confrades do grupo de trabalho e especialmente com um colega e amigo, John Cunningham, que tanto quanto ao longo das inúmeras reuniões entendi, se deixou fazer de amores por uma hospedeira da TAP portuguesa na época residente em Boston pelo que o bom do irlandês volta e meia estava a caminho dos EUA para matar saudades. John é um típico irlandês, ruivo, vermelhusco, bebedor de cerveja, simpático, fanático pelo futebol e pela sua Irlanda natal e, entre uma visita ao Lynch' Castle e a Eyre Square era inevitável a paragem num dos inúmeros pub's que nascem por todo o lado, para uma cervejinha dois dedos de conversa e algumas vezes uma ensurdecedora cantoria de que nunca entendi coisa nenhuma. Na tal sexta feira em que os trabalhos terminaram à hora do almoço, o nosso amigo John levou-nos a um passeio fantástico por uma vila de pescadores próximo de Galway, Kinvarra, e é obrigatorio  visitar o Dunguaire Castle, um castelo numa quase ilha a lembrar o Rei Artur e a Távola Redonda onde se acotovelavam os omnipresentes japoneses e as suas máquinas fotográficas e, para não contrariar a previsibilidade do seu novo trabalho de cicerone entramos num dos inevitáveis pub’s em Kinvarra. Muita conversa, sempre com a hospedeira pelo meio, de cerveja em cerveja todos nós íamos desfiando um rosário de conversa cada vez mais animada pelas canecas que misteriosamente desapareciam e eram imediatamente substituídas por outras, numa sub-reptícia eficácia que fazia parecer que a cerveja nascia ali mesmo nos copos. Ao fim de um número indeterminado de canecas e outras tantas idas ao WC, decidimos que era altura de regressar a Galway pelo que entramos no carro do John para voltar ao hotel, ora os irlandeses têm aquela péssima mania de guiar pela esquerda o que a somar à astronómica quantidade de cerveja consumida ia tornando uma curta viagem (uns 30 minutos) numa verdadeira aventura automobilística que, acabou no fim de uma curva à frente de um carro da polícia. O nosso irlandês não se atrapalhou e entabulou de imediato uma ininteligível conversa com o polícia mediada de grandes gestos e até a sonoridade de uma ambulância em marcha de emergência. No carro já começávamos a imaginar como iríamos conseguir chegar a Galway uma vez que a quantidade de álcool no sangue do John iria marcar certamente um recorde nos anais da polícia irlandesa e nos próximos anos só nos restaria ir, pesarosamente visita-lo à prisão. A conversa prolongou-se e a certa altura o policia chama o outro colega e os três dirigem-se ao carro onde nos encontrávamos, John não se calava naquela verborreia que sabemos existir após libações intensas em nome de Baco e continuava a gesticular. O polícia mete a cabeça no carro e pergunta (traduzindo): -“Um de vocês é português?” Ao meu lado um finlandês (sim um desses terríveis inimigos de Portugal acompanhava-me, faço aqui um acto de contrição) e um alemão entreolharam-se tipo - Eu não sou…E eu senti cá dentro aquele friozinho que a gente sente nos apertos – Que diabo me quer um polícia irlandês? Até nem vou a guiar….

- Sim eu sou português – meio entre dentes

-  Ah um português ! Grande jogo !!!!!

Grande jogo? Que grande jogo? Este tipo também andou nos pub’s? -  pensei eu.

- Que grande jogo se refere ?

- Aquele dos penalties com os ingleses. O rapaz do Manchester marcou um penalty fantástico!

Pois, realmente era verdade. Tinha sido há pouco o campeonato europeu de futebol em Portugal e Cristiano Ronaldo tinha marcado o golo de penalty à Inglaterra naquele jogo memorável no estádio da Luz.

- Sim é verdade, um grande jogador – A falar de futebol no meio de uma estrada da Irlanda com um polícia que ia arranjar mil anos de cadeia ao meu anfitrião?????

- Não tenha dúvidas, se o United (Galway United) o tivesse por cá é que ia ser.

A conversa prosseguiu com o John Cunningham com o braço por cima do ombro do polícia a explicar-lhe que eu era um conhecido médico de uma equipa portuguesa de futebol e estava a numa reunião na Irlanda por causa das ambulâncias a aprender o sistema irlandês de socorro, ao que o polícia ia assentindo com a cabeça compenetradamente com alguns comentários de que não entendi patavina. Ao fim de um bom bocado de conversa, muitas palmadas nas costas e um espalhafatoso aceno John entra no carro e arrancamos para Galway.

- Então, como conseguiste safar-te desta? – Perguntou um dos nossos companheiros

- Nada de especial, é o meu cunhado. É doido por futebol e quis conhecer um compatriota do Ronaldo, sabes quem é?


John Cunningham acabou por casar com a hospedeira da TAP dos seus amores e todos os anos vem a Portugal, segundo ele para “some sun and some wine”, não sei se alguma vez foi apanhado pela polícia irlandesa depois de uma daquelas intermináveis libações de cerveja, por cá da última vez que nos visitou foi durante o campeonato do mundo de futebol na África do Sul e nunca deixou de ir ao Parque das Nações acompanhado pelo cunhado português, agente de uma força de segurança. Ele há destinos do arco da velha……..

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